sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Cajuína

Gomes - 11-02-2006:

“Você me chama/Eu quero ir pro cinema/Você reclama/Meu coração não contenta/Você me ama/Mas de repente a madrugada mudou/E certamente/Aquele trem já passou/E se passou/Passou daqui pra melhor,foi!/Só quero saber do que pode dar certo/ Não tenho tempo a perder...”

Pouca gente sabe, mas “Go Back” é uma letra escrita por Torquato Neto, muito tempo antes de os Titãs imaginarem que viriam a se juntar em uma banda musical. Sérgio Brito e Martin Cardoso compuseram a melodia muitos anos depois da morte do autor da letra que virou sucesso da banda.

Você deve estar se perguntando o que é que tem a ver “Go Back” com “Cajuína”? Mas elas têm em comum a ligação com o poeta Torquato Neto, o anjo torto.

O piauiense Toquato Neto (poeta, jornalista, cineasta, roteirista, ator....) foi um dos mentores intelectuais do movimento “Tropicália”, juntamente com Caetano, Gil, Tom Zé e Wally Salomão (“memória da pele”, “vapor barato”...). Estudava desde a adolescência na mesma escola de Gil, de quem virou amigo, em Salvador.

Torquato era um menino infeliz, vivia deprimido, parecia que não era desse mundo. No dia 10 de novembro de 1972, um dia depois de completar 28 anos, deu cabo a sua vida, asfixiando-se com o gás do banheiro de sua casa, no Rio. Deixo o seguinte bilhete: "Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar”. Que cara louco!

Alguns anos depois Caetano foi dar um show em Teresina. Não podia mesmo deixar de visitar o pai de Torquato, de quem gostava muito. Foi recebido na porta com uma rosa presenteada pelo velho. Teriam se olhado, olhos nos olhos, por longos minutos, sem proferir uma palavra, só choro, até que ele fosse lá dentro e troxesse para Caetano um copo de cajuína, a bebida típica do Piauí.

A letra de Cajuína, feita depois dessa visita, tem uma construção semântica ímpar, numa das orações raras dessa nossa lingua portuguesa rica de recursos. Só Caetano poderia construí-la: “e éramos olharmo-nos, intacta retina...”. Que construção!

“existirmos/a que será que se destina?/pois quando tu me deste a rosa pequenina/vi que és um homem lindo e que se acaso a sina/do menino infleliz não se nos ilumina/tampouco turva-se a lágrima nordestina/apenas a matéria vida era tão fina/e éramos olharmo-nos, intacta retina/a cajuína cristalina em Teresina”.

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