Gomes - 06-03-2006:
Por PAULO SANTOS
O dia 21 do mês que vem será feriado nacional. Todo mundo vai lembrar de Tiradentes, o mártir da Independência, e também agradecerá a ele, não só pelo sacrifício que fez por nós, mas também pelo fato de a efeméride, este ano, cair numa sexta-feira, o que permitirá um feriadão. Mas o dia seis de março – que também já foi feriado nacional – vai passar em branco. Todos estudamos no colégio um importante evento histórico, ocorrido aqui, nessa data, mas alguém, por acaso, lembra dele? Pois vamos rememorar: em seis de março de 1817 (cinco anos antes do Sete de Setembro) o Recife se levantou contra o domínio português. Poucos dias depois as províncias da Paraíba e do Rio Grande do Norte, lideradas por Pernambuco (do qual Alagoas fazia parte, na época) também se rebelaram, e – com todo respeito aos inconfidentes mineiros – o Brasil foi independente, de fato, pela primeira vez!
Aqui, em nosso Estado, foi proclamada uma República e por mais de dois meses, pela primeira vez os brasileiros tiveram governo próprio, constituição, exército, esquadra e até embaixadas no exterior. Fomos além de decretar a autonomia política, antes que um aventureiro o fizesse: proclamamos a igualdade social e a liberdade religiosa, de pensamento e de imprensa, e não só tentamos acabar com a escravidão, mas também com a discriminação contra negros e mulatos! Tudo, também, pela primeira vez no Brasil!
Finalmente – e, de novo, com todo respeito ao sacrifício dos mineiros – a repressão ao nosso movimento não causou apenas uma vítima. Aqui foram cerca de 1.600 mortos e feridos – um verdadeiro genocídio, considerando que o Recife tinha entre 30 e 40 mil habitantes, na época – além de mais de 800 degredados. Apesar da magnitude desses acontecimentos, hoje em dia se sabe quem foi Tiradentes, muita gente conhece a história da bandeira de Minas Gerais, a do triângulo vermelho em fundo branco e do Libertas que Serae Tamen, entretanto, quase ninguém saberia dizer quem foi Gervásio Pires, Vigário Tenório, Cruz Cabugá, que dão nome a ruas do Recife. Tampouco faria idéia de onde veio nossa linda bandeira azul e branca, exibida por toda parte com tanto orgulho, e o que significam o sol, a estrela, o arco-íris e a cruz...
Apenas em 1917, quando transcorreu o centenário da Revolução Pernambucana, houve emissão de selo pelos Correios e a data foi comemorada. Esse dia foi feriado em todo o País. Depois a data mergulhou no esquecimento, não é relembrada sequer em nosso Estado, cujo povo é orgulhoso das suas tradições e onde o período holandês é tão conhecido e badalado. O motivo desse apagão político e cultural, entretanto, é relativamente simples: pelas suas avançadas propostas sociais e políticas, aquele movimento foi sempre execrado por interesses poderosos. No período colonial e no Império, louvou-se muito a bravura dos que expulsaram os holandeses, mas os revolucionários de 17 eram tratados – compreensivelmente – como rebeldes anarquistas, portadores de consciências depravadas, inconfidentes malvados que transformaram num covil de monstros o teatro onde brilhara a fidelidade de Fernandes Vieira, Henrique Dias e outros tratados como heróis...
De Pernambuco, dizia-se, “emana o vapor maligno da democracia!” Durante a Primeira República, de 1889 a 1930, nossa República de 1817, que tinha uma certa identidade com ela, ainda foi visto com bons olhos, mas, a seguir, no período getulista, centralizador e autoritário, novamente deixou de ser simpática, por ter defendido e apregoado o respeito à democracia, a divisão e a descentralização do poder. Nossos revolucionários, enfim, não apenas foram esmagados em vida: a memória deles continuou a ser perseguida pelos séculos afora! Nem todos, é claro, se omitiram. Historiadores fizeram a parte deles, como Muniz Tavares (um participante) e Oliveira Lima, quanto os contemporâneos como Amaro Quintas e Manoel Correia de Andrade – além de pensadores de outros centros, como Carlos Guilherme Mota – estudaram e analisaram tudo cuidadosamente. Mas o trabalho historiográfico, infelizmente, não atinge o grande público. Apenas o interesse dos poderes públicos, dos meios de comunicação e, finalmente, dos artistas, é que poderá algum dia popularizar e dar vida à memória da Revolução Pernambucana de 1817, que foi curta, intensa, apaixonada, romântica e, se tivesse triunfado, teria dado um rumo diferente – e, talvez, bem melhor – ao nosso País.
Paulo Santos é jornalista
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